Entrevista ONIP – Diogo Pereira, Membro da Comissão Aduaneira da OAB, Membro do Núcleo de Regulação e Mercado da Firjan e Executivo da Indústria
“Brasil reúne vantagens competitivas no descomissionamento”
Diogo Pereira, Membro da Comissão Aduaneira da OAB, Membro do Núcleo de Regulação e Mercado da Firjan e Executivo da Indústria
Em entrevista exclusiva para o site ONIP, Diogo Pereira, Membro da Comissão Aduaneira da OAB, Membro do Núcleo de Regulação e Mercado da Firjan e Executivo da Indústria, fala sobre o potencial do Brasil para o mercado de descomissionamento, as vantagens competitivas que o país tem nesse segmento, a importância da Convenção de Hong Kong e o que é necessário para que o Brasil se torne signatário da convenção.
Para Pereira, o Brasil reúne um conjunto expressivo de vantagens competitivas que o posicionam estrategicamente no mercado global de descomissionamento e reciclagem de ativos offshore.
“No entanto, essas vantagens de nada valerão sem ação coordenada e tempestiva entre legisladores e reguladores. É impossível inaugurar um mercado competitivo de reciclagem sem instrumentos de incentivos fiscais, financeiros e regulatórios e sem previsibilidade normativa, seja para a reciclagem de embarcações nacionais, seja para a importação de embarcações estrangeiras”, avalia. “O Brasil tem ativos, demanda e capacidade técnica. Mas sem ação política acelerada, continuará exportando valor e perdendo espaço para estaleiros estrangeiros”, acrescenta.
Nesse sentido, segundo Pereira, o workshop promovido pela ONIP e pela Comissão Aduaneira da OAB-RJ foi um marco importante na articulação técnica e institucional sobre descomissionamento e reciclagem sustentável de ativos offshore no Brasil.
“O dia 05 de novembro de 2025 ficará registrado como o momento em que o centro de gravidade da indústria de petróleo se deslocou temporariamente do Rio de Janeiro para Brasília”, afirma.
Qual o balanço que você faz do workshop sobre descomissionamento promovido pela ONIP? Quais falas e pontos mencionados no evento que você destacaria?
O workshop promovido pela ONIP e pela Comissão Aduaneira da OAB-RJ foi um marco importante na articulação técnica e institucional sobre descomissionamento e reciclagem sustentável de ativos offshore no Brasil. O dia 05 de novembro de 2025 ficará registrado como o momento em que o centro de gravidade da indústria de petróleo se deslocou temporariamente do Rio de Janeiro para Brasília.
O formato de mesa debatedora permitiu uma troca rica entre representantes da indústria, reguladores e especialistas. Destaco especialmente os debates sobre: a necessidade de ratificação da Convenção de Hong Kong, que estabelece padrões internacionais para reciclagem segura de embarcações; a aprovação do Projeto de Lei 1.584/2021, considerando a Emenda Constitucional 001/25 da Deputada Caroline de Toni, que propõe um regime tributário para importação de embarcações estrangeiras; a pacificação por parte da Receita Federal quanto ao enquadramento do descomissionamento no regime Repetro, reconhecendo-o como parte integrante do ciclo de E&P; os desafios aduaneiros e tributários que dificultam a internalização da reciclagem de embarcações estrangeiras, a ausência de um marco regulatório específico para o segmento e a necessidade de alinhamento federativo entre estados quanto aos licenciamentos ambientais, com destaque para a atuação da ABEMA.
A participação de estaleiros e siderúrgicas também evidenciou a urgência de integrar a cadeia produtiva nacional ao processo de desmantelamento, com foco na economia circular e na geração de valor para o país.
Qual o potencial desse mercado no Brasil?
O mercado global de descomissionamento movimenta cerca de US$ 100 bilhões, e o Brasil figura entre os cinco maiores mercados mundiais nesse segmento. O envelhecimento acelerado do parque de plataformas e FPSOs, aliado aos investimentos bilionários já anunciados por operadoras como a Petrobras, abre uma janela de oportunidade única para o desenvolvimento de uma cadeia doméstica de reciclagem sustentável.
A reciclagem nacional de embarcações e unidades offshore pode evitar perdas de até US$ 20 milhões por unidade exportada, além de gerar empregos qualificados, tributos e valor agregado local, com impacto direto na balança de serviços e na retenção de capital produtivo. Estima-se que até 2032, cerca de 15.000 embarcações serão recicladas globalmente, representando 25% da frota mercante atual. Com a capacidade instalada dos estaleiros europeus já saturada, o Brasil tem a oportunidade de se posicionar como referência internacional em reciclagem de embarcações e FPSOs.
Além disso, o aço é 100% reciclável infinitas vezes, sem perda de propriedades, o que reforça o potencial da economia circular como vetor de sustentabilidade e inovação industrial. Com regras claras e processos harmonizados às convenções internacionais, o Brasil pode transformar o fim de vida dos ativos offshore em um novo ciclo de oportunidades econômicas, ambientais e sociais.
Quais as vantagens competitivas que o país tem nesse segmento?
O Brasil reúne um conjunto expressivo de vantagens competitivas que o posicionam estrategicamente no mercado global de descomissionamento e reciclagem de ativos offshore. Temos uma extensa costa com localização privilegiada, próxima ao Atlântico Sul e à costa africana, favorecendo a formação de um hub regional de reciclagem de embarcações e FPSOs. A presença de estaleiros e portos com capacidade de adaptação, muitos dos quais já operam com expertise em construção e manutenção de grandes estruturas navais. Temos uma indústria siderúrgica consolidada, capaz de absorver e reaproveitar o aço reciclado em processos industriais de baixo carbono, e uma crescente preocupação com sustentabilidade, que impulsiona a adoção de práticas alinhadas à economia circular e à descarbonização da cadeia produtiva. Além disso, o Brasil responde por parcela relevante do mercado global de descomissionamento, com investimentos expressivos já anunciados por operadoras, notadamente a Petrobras. O envelhecimento do parque de plataformas e FPSOs cria uma janela de oportunidade para desenvolver uma cadeia doméstica de reciclagem sustentável, com geração de valor local.
No entanto, essas vantagens de nada valerão sem ação coordenada e tempestiva entre legisladores e reguladores. É impossível inaugurar um mercado competitivo de reciclagem sem instrumentos de incentivos fiscais, financeiros e regulatórios e sem previsibilidade normativa, seja para a reciclagem de embarcações nacionais, seja para a importação de embarcações estrangeiras.
E ainda é importante ressaltar que, mesmo com todo esse arcabouço institucional e regulatório, não há garantia de que as embarcações e FPSOs serão reciclados no Brasil. O país precisa ser financeiramente competitivo frente aos estaleiros europeus, que já operam com escala, incentivos e infraestrutura consolidada. A decisão estratégica que se impõe ao Brasil é clara: onde será gerado emprego e renda, no território nacional ou no exterior?
Qual a importância da Convenção de Hong Kong e o que é necessário para que o Brasil se torne signatário da convenção?
A Convenção de Hong Kong (HKC) é essencial para garantir padrões internacionais de segurança, sustentabilidade e rastreabilidade na reciclagem de embarcações. Sua ratificação posiciona o Brasil como referência global e abre oportunidades estratégicas no mercado internacional de desmantelamento.
Para que o Brasil se torne signatário, é necessário aprovar uma legislação compatível com os requisitos da HKC. O PL 1.584/2021 cumpre esse papel ao estabelecer regras para certificação de estaleiros, gestão de resíduos e inventário de materiais perigosos. Após a aprovação legislativa, o tratado deve ser ratificado pelo Presidente da República, com posterior depósito do instrumento de ratificação na IMO. Em seguida, o tratado é promulgado por decreto presidencial e passa a ter validade interna. Órgãos como, por exemplo, Marinha do Brasil e IBAMA devem então regulamentar tecnicamente a aplicação da HKC no país.
Importante destacar que o processo já está em andamento: o Ofício nº 1.535, de 20 de outubro de 2025, encaminhou ao Congresso Nacional o texto da Convenção de Hong Kong para fins de adesão formal do Brasil ao instrumento.
Sem um marco legal nacional compatível com os padrões internacionais, o Brasil não consegue demonstrar à IMO que possui as condições institucionais e regulatórias necessárias para aplicar e fiscalizar os compromissos da Convenção. Isso impede o reconhecimento do país como destino confiável e sustentável para reciclagem de embarcações, bloqueando sua adesão formal.
A ratificação da HKC trará benefícios estratégicos como maior credibilidade internacional, facilitando o comércio e evitando sanções em portos estrangeiros, segurança jurídica e padronização de processos, com integração às políticas ambientais nacionais, a geração de empregos qualificados e redução de passivos ambientais e garantia de competividade internacional, permitindo que estaleiros brasileiros assumam contratos globais. No entanto, mesmo com esse arcabouço, o Brasil só será destino preferencial se for financeiramente competitivo frente aos estaleiros europeus. A ratificação é um passo necessário, mas a viabilidade econômica será decisiva para atrair operações de reciclagem ao território nacional.
Há anos fala-se em descomissionamento no Brasil. Por que o segmento não avançou? O que é preciso fazer no curto e médio prazo para alavancar o setor?
Apesar de ser discutido há anos, o Brasil não estruturou o ambiente regulatório, fiscal e institucional necessário para transformar o descomissionamento em uma cadeia produtiva nacional. Agora, os ativos envelheceram, e o descomissionamento vai acontecer. A questão que se impõe é: a reciclagem será feita no Brasil ou no exterior?
Os principais entraves incluem a ausência de marco legal específico, gerando insegurança jurídica, a carga tributária elevada sobre ativos estrangeiros destinados à reciclagem, incertezas sobre o enquadramento do descomissionamento no regime Repetro, falta de infraestrutura certificada, como Ship Recycling Facilities (SRFs), fragmentação institucional, com múltiplos órgãos atuando sem coordenação e um modelo econômico inviável, sem instrumentos financeiros ou contratuais adequados.
Diante da demora nas ações, curto e médio prazo se fundem. O que antes poderia ser planejado com antecedência, agora exige decisão política imediata e ação coordenada: aprovar o PL 1.584/2021, com regime tributário especial e alinhamento à Convenção de Hong Kong, ratificar a HKC, criando base legal para certificação de estaleiros e gestão segura de resíduos, pacificar o enquadramento do descomissionamento no Repetro, por ato normativo da Receita Federal, integrar a atuação dos órgãos ambientais e tributários, com sistemas interoperáveis e comitês técnicos, investir em infraestrutura física e técnica, com áreas de descontaminação onshore e rotas para resíduos NORM, fomentar a cadeia nacional de reciclagem, com foco na siderurgia de baixo carbono, criar instrumentos financeiros e contratuais flexíveis, como linhas de crédito e garantias e harmonizar normas ambientais e de segurança, integrando políticas nacionais e convenções internacionais.
O Brasil tem ativos, demanda e capacidade técnica. Mas sem ação política acelerada, continuará exportando valor e perdendo espaço para estaleiros estrangeiros.