Tecnologia do Pré-sal vira produto de exportação

A exploração das reservas do pré-sal fez a produção nacional de petróleo dobrar em 20 anos e agora começa a revelar tecnologias desenvolvidas sob medida em alguns elos da cadeia industrial do setor. Uma evidência disso é o fato de o Brasil ter se tornado um exportador de um dos equipamentos mais sofisticados para a extração de petróleo em águas profundas.

As chamadas “árvores de Natal” molhadas, equipamentos submarinos fixados nas bocas dos poços no fundo do mar que controlam a vazão e conduzem o petróleo à superfície, entraram na pauta de exportação depois que multinacionais desenvolveram aqui tecnologias para adaptá-las aos desafios do pré-sal, cujas profundidades podem superar 7 mil metros.

A norueguesa Aker Solutions, a franco-americana TechnipFMC e a OneSubsea, do grupo SLB (novo nome da francesa Schlumberger) foram atraídas pela alta demanda da Petrobras e demais operadoras do pré-sal — cujos contratos impõem a compra de parte dos equipamentos no Brasil. Agora exportam esse tipo de item de alta tecnologia.

A OneSubsea fez do país base de exportações em 2014. Até o fim deste ano, a fábrica em Taubaté (SP) começa a exportar a maior “árvore de Natal” já produzida pela empresa. O equipamento de 100 toneladas vai para um campo da Chevron no Golfo do México.

— Só nossa unidade no Brasil tem tecnologia, capacitação de maquinário e expertise para produzir esse equipamento — diz Carlos Tadeu Cunha Jr., gerente-geral da empresa.

No mês passado, a Aker Solutions anunciou que sua filial brasileira fez o maior embarque mensal de sua história: nove “árvores de Natal” para três projetos das petroleiras ConocoPhillips e Equinor, no litoral da Noruega. “O Brasil já é o principal hub da Aker na execução de projetos mundiais de subsea”, diz uma postagem da empresa nas redes sociais.

– O Brasil tem um baixo custo de mão de obra e uma mão de obra capacitada. Tem se provado eficiente do ponto de vista custo — afirma Denis Ribeiro, vice-presidente de Projetos da norueguesa no Brasil.

Demanda de longo prazo

Luana Duffé, vice-presidente executiva da TechnipFMC, que exporta 60% das “árvores de Natal” produzidas em sua fábrica no Rio, destaca ainda a alta produtividade do pré-sal como um dos principais fatores que deram escala e competitividade à produção nacional desses equipamentos:

— Isso nos permite ter visibilidade de longo prazo. E, somado a isso, volume. Dá mais conforto para investir localmente.

Para executivos e especialistas do setor, o sucesso dessa sofisticada produção nacional em um setor tão disputado dá algumas pistas sobre como superar obstáculos inseridos no chamado “custo Brasil” para desenvolver uma indústria competitiva.

No caso das “árvores de Natal”, o salto na demanda da Petrobras foi decisivo para a produção desses equipamentos aqui, atraindo investimentos das multinacionais e aproveitando a disponibilidade de engenheiros de petróleo com boa formação, mas a inovação fez a diferença.

Segundo Telmo Ghiorzi, secretário-executivo da Abespetro, que reúne fornecedores do setor, o Brasil entrou no seleto grupo de nações — com EUA, Noruega, Reino Unido e Malásia — que produzem esses equipamentos de alta intensidade tecnológica e competem no mercado global.

O país tem exportado para projetos de produção de petróleo em várias regiões do Atlântico, como Golfo do México, costa oeste da África, a vizinha Guiana e o Mar do Norte, na Europa.

Para Ghiorzi, casos de sucesso como os das “árvores de Natal” são “iniciativas heroicas” dessas empresas, que, ao longo de anos, acumularam tecnologia e capacitação de pessoal, mesmo com os altos e baixos de políticas industriais ou de conteúdo local obrigatório no setor. Nessa área, a tecnologia permitiu exportar, o que acabou funcionando como válvula de escape justamente quando a demanda e os estímulos locais foram reduzidos.

Após os escândalos da Lava-Jato e as perdas da Petrobras com o represamento dos preços de combustíveis, a estatal pisou no freio a partir de 2014. Foi quando OneSubsea e Aker Solutions foram buscar mercado lá fora. A TechnipFMC elevou a proporção de sua produção destinada ao exterior a 90% na época, conta Luana.

‘O mundo é maior’

Isso valeu também para os fornecedores locais desses exportadores de equipamentos, como a Sacor Siderotécnica. A indústria produz anodos para proteção catódica contra corrosão, instalados em tubos e equipamentos, como as “árvores de Natal” submarinas, para evitar que a água salgada corroa as estruturas.

Seus produtos chegam a fabricantes do exterior diretamente ou vão para fora como parte dos equipamentos produzidos no Brasil para exportação. Segundo Henrique Santos, um dos sócios da Sacor, de 15% a 20% da receita da empresa atualmente vêm do exterior.

Nos anos em que a Petrobras recuou, esse índice chegou a 70%. A empresa forneceu dispositivos para o gasoduto Nord Stream 2, entre Rússia e Alemanha.

— O mercado brasileiro caiu muito, mas tivemos alternativa. O mundo é muito maior — diz Santos.

Segundo João Fernando Oliveira, professor de engenharia da USP e presidente do Conselho de Administração da Embrapii, devido ao pré-sal, a enorme demanda por equipamentos como “árvores de Natal”, que têm características específicas e carregam alta tecnologia, dá maior poder de fogo aos fabricantes na negociação com fornecedores de insumos, como o aço.

A fabricação exige conhecimento acumulado, o que cria um nicho cujas cadeias globais são dominadas por poucos países e multinacionais.

Tecnologia para vencer Custo Brasil

Para Oliveira, da USP, os casos de sucesso têm em comum o investimento em tecnologia e uma “análise minuciosa” de todos os elementos do “custo Brasil”, para vencê-los. Nesse sentido, é possível, na visão dele, comparar essa indústria de “árvores de Natal” com a de aviões da Embraer, a de máquinas da WEG e a de pás para os geradores de energia eólica da Aeris.

O problema, diz o professor, é que a maior parte da indústria não consegue superar os fatores anticompetitivos brasileiros, da estrutura tributária aos problemas de infraestrutura e mão de obra, e fica à margem das cadeias globais. Ele aponta que os incentivos das políticas industriais tendem a beneficiar poucos setores, geralmente com proteção comercial contra importados.

Alguns dos beneficiados são produtores de insumos, como aço e máquinas e equipamentos. O resultado é o encarecimento desses insumos, usados por todos os setores industriais, o que aperta margens de lucro e tira competitividade.

— No setor de autopeças, uma válvula de motor tem no custo do aço 70% do preço de venda dela. A fração do custo do aço é tão pesada que, se variar de um país para outro, vale produzir longe — diz o professor.

‘Reindustrialização’ na mira do BNDES

Tanto Oliveira quanto Ghiorzi, da Abespetro, avaliam que novas políticas industriais no Brasil deveriam passar pelo incentivo à exportação. No Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que tem ecoado o desejo de “reindustrialização” repetido pelo presidente Lula, a ordem é apoiar mais as exportações da indústria. Uma linha de crédito para isso já teve spreads reduzidos.

Segundo o diretor de Desenvolvimento Produtivo, Inovação e Comércio Exterior do banco de fomento, José Luís Gordon, o apoio à cadeia de fornecedores é um dos tópicos de uma comissão de cooperação criada com a Petrobras, e a linha para exportações é uma das opções.

— Temos um mercado interno importante, temos que apoiar e fortalecer o mercado interno, mas temos também que apoiar nossas empresas a exportarem — diz Gordon. — A política industrial está sendo feita, e aqui no BNDES, temos prioridade para a inovação, mas também para a exportação.